Review: Sobs – Melhor Amigo do Dinheiro

Temos um disco que soa tão genérico quanto o seu nome já faz parecer

Não importa o quanto o rap continue se transformando, falar sobre a própria ascensão social sempre vai ter o seu apelo. Alguns MCs priorizam uma análise mais crítica, refletindo sobre os impactos que essa busca gera na periferia. Outros optam pela abordagem comercial, de celebrar as conquistas individuais e, quem sabe, inspirar seus ouvintes a não desistirem dos seus sonhos. Ambas as óticas são válidas e bons e maus exemplos são encontrados em cada uma, mas é sensível como um número cada vez maior de rappers tem optado pela segunda. E, com Sobs, não é diferente.

Se, em Tudo Por Causa de Mim, as linhas afirmativas eram ocasionais em meio às lovesongs e, quando apareciam, giravam em torno de seu esforço para que conseguisse “virar”, agora elas tomam o protagonismo em Melhor Amigo do Dinheiro. No entanto, essa mudança de foco não resulta em punchlines afiadas que costumam carregar esses trabalhos mais comerciais e nem numa performance que consiga sustentar o todo. Como resultado, temos um disco que soa tão genérico quanto o seu nome já faz parecer.

É verdade que o projeto tem os seus momentos, em especial por algumas decisões específicas na construção das faixas, como prolongar os bons refrãos ou manter esquemas de rima simples para tornar o verso mais harmônico. ‘Hilux’, por exemplo, conta com o melhor refrão do projeto, com rimas bem intercaladas e levemente esticadas para que a voz do MC consiga deslizar na mescla de instrumentos orientais que marca o beat de Galdino e MATHINVOKER. Outros sons tentam algo semelhante, mas é aqui onde isso mais dá certo.

Joga essa grana dentro da Hilux

Observa o fluxo quem destruía

Nem tenta encostar tua mão no meu money

Com ouro no pulso e traje de cria

Camisa dе time, lugar de luxo

Beck grandão parеcendo um charuto

Passei perrengue, foram vários meses

Hoje eu gasto em dobro e olha quem diria

A produção, depois disso, segue boa parte das fórmulas do trap atual, indo desde os graves mais abafados com pontuais variações aos loops de guitarra/violão para emularem o estilo “rockstar” que ainda permeia a vertente. Os sintetizadores são um tanto comedidos, mas funcionam como escada para o autotune de Sobs, principalmente nas tracks onde sua levada é mais melódica, como em ‘Perfumado’ e ‘Lucro Composto’. Mesmo que não impressionem, as batidas são facilmente o aspecto mais competente do disco.

Quanto aos versos, entretanto, não há muito o que elogiar, pois eles nunca dão uma boa sequência de barras ou desenvolvem alguma ideia, sempre se limitando a linhas batidas como “quero fazer grana” , “nunca me iludir com a tal da fama”, “fazendo puteiro na minha mansão” etc. Por vezes, há um esforço maior em segurar um esquema de rima, como no início da faixa-título, mas até a escolha das palavras nesse caso soa formulaica pela frequência que adjetivos são rimados com outros adjetivos (funkeiro/partideiro/maconheiro). E o fato de MC Maneirinho ficar insistindo no conceito já apresentado no refrão acaba tornando o som ainda mais monótono.

Outro problema que aparece no projeto é o excesso de monorrimas. É bem verdade que um bom uso de punchlines ou uma forte variação no flow podem potencializar esse recurso, mas como isso não acontece em nenhuma das tracks, ele sempre parece desinteressante, quando não preguiçoso, nos momentos em que dá as caras. Faixas como ‘Grife’ e ‘Perfumado’ até são diferentes em sua estrutura, já que a primeira consiste num verso/ponte/saída e a segunda segue o típico verso/refrão/verso/refrão, mas ambas perdem o fôlego à medida que as monorrimas vão se acumulando.

O que eu vivi foi crucial

Sobrevivi e continuo leal

Um pedacin’ vira meu quintal

Facilidade pra ser viral

Sempre venço no final

Sem esse papinho de me achar o tal

Tem o lado bom, mas também tem o mal

Tem mano que pensa que é carnaval

Partindo para a reta final, o sentimento de repetição fica ainda maior. É como se ficássemos presos num looping eterno de fazer dinheiro, fumar maconha, se autoafirmar sexualmente, e fazer mais dinheiro; mesmo com o projeto tendo pouco mais de 22 minutos. ‘Derrete Igual Gelo’ e ‘Vitória’ soam quase como a mesma faixa, com a maior diferença estando no refrão dessa última, por comentar muito brevemente sobre seu passado no crime e como ele se sente sobre ter conseguido sair desse caminho.

‘Lucro Composto’, por outro lado, tinha um certo potencial, principalmente quando o anfitrião pula num flow com rápidas pausas durante a ponte que precede o refrão, mas o verso de Flacko faz com que tudo volte a ser um trap genérico. Destaque para a linha “pra esses político eu voto nulo”, que consegue ser tão deslocada das demais quanto despolitizante se levada a sério. De toda forma, o álbum se encerra bastante inexpressivo.

Muitas vezes é inspirador testemunhar a vitória de um artista que no passado não tinha perspectiva de vida. Mas quando esse testemunho é feito sem um pingo de criatividade, ele simplesmente se torna insípido. E a essa altura do campeonato – e no cenário caótico em que o país se encontra -, toda essa glorificação da ascensão individual soa ainda mais vazia do que ela já era. Que, ao menos, a relação de Sobs com o dinheiro seja melhor explorada em seus futuros lançamentos.

Melhores Faixas: Hilux

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