Review: Bivolt – Nitro

Como o nome e sua curta duração sugerem, o disco não perde tempo

Quando Bivolt lançou seu disco de estreia, em março de 2020, ninguém imaginava que a pandemia poderia se prolongar tanto no país. Ainda que extremamente necessária para conter o avanço da COVID e do número de mortes, a quarentena acabou impedindo que muitos trabalhos alcançassem o impacto que poderiam ter em condições normais, e com a rapper não foi diferente. De toda forma, sua excelência no canto, na rima e no desenvolvimento temático de ‘Bivolt’ não passou despercebida, e não foram poucas as listas que elegeram o trabalho como o “Melhor Álbum do Ano”.

Mais de 1 ano e meio depois, é lançado seu segundo álbum, sinalizando a necessidade em dar prosseguimento nos âmbitos pessoais e profissionais e buscar caminhos que ofereçam novas perspectivas de crescimento. Diferente do antecessor, que oferecia e amarrava as diferentes perspectivas sobre sua identidade, Nitro é um projeto rodeado de certezas, e isso resulta em mais uma performance de alto nível e mais uma seleção coesa de beats, mas também numa falta de camadas que o faz parecer mais transitório do que sólido por si mesmo. 

Isso não é necessariamente uma crítica, pois, como o nome e sua curta duração sugerem, o disco não perde tempo. ‘Chef, Chef, Chef’ conta com uma típica produção de Nagalli, com acordes sucintos e graves pulsantes para dar espaço a entrega da anfitriã, que do começo ao fim vai acentuando suas linhas ao ponto das métricas se tornarem tão dinâmicas quanto o próprio refrão. Mesmo que seja uma constante o seu transitar entre a rima e o canto, começar com a faixa que mais equilibra esses universos é uma boa forma de demonstrar como a MC continua em boa forma. As barras também merecem destaque, pois são elas que expõem as certezas adquiridas desde o último trabalho, e que dão o tom dessa primeira metade.

Determinação e foco nos negócios

Pra passar de fase é osso

Pra se atrasar mó fácil

Então fé! filho

Viver no mundo sem perder o brilho

Eu tive decisões ruins

Não me resumo nisso

To acertando a cada passo

Acho que entrei no trilho

Eu era Dilla, baby

Hoje eu sou diva, baby

A energia começa a subir com a chegada de Nave em ‘Essa Onda’ e ‘Melhor da Vida’, em especial na primeira pela mescla de trompete e violão (de forma semelhante ao que foi feito em ‘Cubana’) e pelos inúmeros elementos do funk paulista, como os graves, a flauta os recortes de voz, somados ao grandioso coral no final da segunda. As duas já são menos inventivas na escrita, cobrindo temas como independência e ascensão financeira da mesma forma que se encontra aos montes hoje em dia, mas seu domínio vocal garante que os refrãos sejam um bom acréscimo ao clima festivo. Por outro lado, o collab com Duda Beat em ‘Raspa a Placa’ rende mais uma caneta desinteressante,  se comparada com os elementos de bregafunk e pancadão do beat, e acaba fazendo a metade “220” do projeto se encerrar um pouco inexpressiva. Não que faixas abertamente festivas precisem de uma técnica rebuscada, mas um pouquinho de braggadocio não faria mal.

As coisas voltam aos eixos com ‘Localiza’ e ‘Eu & Tu’, onde Bivolt explora um pouco mais de suas influências no R&B para abordar como o processo de autocura é necessário para uma futura construção de um relacionamento pautado em ternura e confiança; e novamente em cima dos magnéticos sintetizadores de Nave. Alguns podem se incomodar com os hi hats de drill não destoando do que já tem sido apresentado, agora que o gênero está em alta, mas eles ainda funcionam pelo contraste que dão à performance espaçada que ela desenvolve em ambas as tracks. É difícil construir um verso carregado de variações de flow sem deixar que elas ofusquem o todo, e fazer isso com tanta naturalidade é um dos grandes acertos do disco.

Emicida também merece elogios em sua participação. Como de costume, ele entrega uma ótima sequência de versos que usa do cotidiano para enriquecer a relação dos personagens, mas também equilibrando as metáforas e rimas internas no estilo cantado que marcou seu último trabalho. Ainda há algumas lacunas em seu canto, mas as dobras da anfitriã ajudam a expandir a musicalidade do convidado. Para resumir, ‘Eu & Tu’ é uma faixa ideal para pedidos imprudentes de namoro ou casamento.

Fantasmas da rua enquanto o mundo acorda

Pela neblina

Eu e a menina que eu gosto comendo pelas bordas

Rimas são ímãs

O país nas cordas

Entre hordas de cegos e calhordas

Só quem quase morreu pra querer viver tanto

Ela concorda (Ai, ai, ai)

‘Pimenta’ e ‘Anjo’ dão prosseguimento a esse clima romântico, mas agora num clima mais sensual, e mais pop também. É bem verdade que tematicamente, ele continua razoavelmente coeso, mas nenhum dos versos apresenta ou desenvolve algum elemento de forma que dê uma conclusão definitiva para o álbum. Enquanto a primeira vai cansando pela pegada acústica misturada com as descrições sexuais que vão e voltam, a última só desaparece sem deixar vestígios. Ela até começa bem, falando sobre não se sentir aceita por ser quem é, mas tanto o refrão como o segundo verso já vão diluindo as chances de uma introspecção mais aprofundada. Talvez isso não acontecesse se os versos tivessem mais espaço, mas, como não tiveram, a reta final acaba sendo a parte mais esquecível do projeto.

Ao fim de ‘Anjo’, a rapper avisa que “esse aqui é só o começo” e, entre erros e acertos, Nitro realmente passa essa impressão. Talvez esse seja o começo de uma etapa para mais um trabalho ambicioso, talvez essa seja o começo de um flerte maior com o pop; as possibilidades são inúmeras. O que ainda pode ser dito é que, independentemente do quanto a caneta for gasta, Bivolt continuará sendo cuidadosa para que suas linhas soem bem a qualquer um. 

Melhores Músicas: Chef, Chef, Chef, Melhor da Vida e Eu & Tu!

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