Rico Dalasam valoriza narrativas, sentimentos e melodias em “Fim das Tentativas”

Novo EP do artista é uma continuação do ciclo narrativo do seu EP de 2020, DDGA

O rap e a música no geral não lida muito bem com continuações de trabalhos. Principalmente quando elas são explícitas. São inúmeras as faixas “parte 2” que tentam emular um sucesso comercial ou artístico, mas que passam longe de suas predecessoras. Há cerca de 2 anos, Rico Dalasam lançava o EP Dolores Dala Guardião do Alívio. A obra iniciou um novo ciclo narrativo e estético na sua carreira, e culminou no lançamento de um disco (homônimo) e no seu mais recente EP, Fim das Tentativas‘.

Mesmo repetindo a fórmula de lançamento do primeiro projeto, aqui ele dá continuidade e evolui sua arte, consolidando-se como um dos compositores mais inventivos da música brasileira. E por mais que se coloque como uma sequência, Fim das Tentativas corresponde a uma tratativa diferente do trabalho e vida do artista.

Das 5 canções que compõem o EP, a primeira é uma intro. “De Longe” evidencia um cuidado com a história e todos os sentimentos que irão permear esse caminho. Mas também demonstra o que vai ser diferente de seus trabalhos anteriores, tanto em lírica quanto em melodia. É um cartão de visita que valoriza as sensações do autor e, com seu discurso, define bem as mudanças de estado que se passaram entre esse e os últimos lançamentos de Rico.

A partir desse momento, podemos dizer que a jornada realmente começa. “ Guia de Um Amor Cego”, que conta com a participação de Céu e produção de Dinho (que está presente em todo o trabalho), fala muito sobre contemporaneidade, tanto na vida de Rico, quanto em um aspecto social.

O lado rítmico constrói um ambiente atmosférico para que a voz de Céu entre na faixa e embale numa direção progressiva e constante. Enquanto isso, em poucos versos, Rico consegue compreender bem como utilizar e brincar com os significados das palavras da língua portuguesa.

“Um outro troco em balas de hortelã

Não sei como vou amanhã

Eu na febre de tе ver

Me dei, mе dei, me dei

Achando que era só um nó”

Rico consegue transmitir usando muito pouco de uma narrativa explícita, ampliando os campos de interpretação, de um jeito bem direcionado. Além de conseguir falar de relacionamentos interpessoais de uma maneira próxima a realidade a quem, assim como ele, divide seus dilemas e problemáticas semelhantes. O exemplo perfeito de “música jovem”.

Outro grande ponto muito positivo no trabalho do EP, é a capacidade de Dinho e Rico flertarem com elementos da música pop e construírem uma identidade própria, com a influência de ritmos totalmente brasileiros como o pagodão e o piseiro. Sendo assim, uma esfera muito particular de um “pop rap”.

Porém, mesmo seguindo essas características, a faixa seguinte, “Ando Me Perguntando”, acaba soando desgarrada de suas companheiras. Apesar de ser uma experiência muito rica acompanhar a maneira com que Rico trabalha as palavras em um rap propriamente dito, ela foge de uma escala de reprodução que o EP seguia. Algo extremamente particular, porque mesmo sendo uma grande faixa, ela fica ali quase como uma intrusa. O que talvez, em uma tracklist mais extensa e que varie mais entre seus temas musicais, não soe tão evidente e desconexo. Entretanto, isso não tira em nada o brilho do trabalho.

Contudo, conceitualmente, esta faixa acaba por ser um ótimo retrospecto de vida e arte de Rico. Ela é uma revisão de sua caminhada, que revisita o rap do início de sua carreira e que poderia ser um acerto ainda maior, se colocada em uma posição melhor.

Pode parecer um pouco paradoxal, mas em uma outra esfera, essas variações de gênero e influência em que o artista passeia, mostram a naturalidade com que Rico dialoga com a música brasileira como um todo. “Tarde D+”, a faixa seguinte, passa pelo trap, pagodão e piseiro. Aqui, o trabalho de Dinho merece um destaque especial. Por conseguir unir essas diferentes referências para criar um universo coeso dentro de uma mesma canção. Tudo soa em seu devido lugar e proporciona o ambiente perfeito para que Dalasam exponha não apenas sua criatividade em composições, mas também em performance.

No fim, o EP se encerra com a faixa-título “Fim das Tentativas”, que teve participação da banda curitibana Tuyo. A canção é a soma de todos os fatores discorridos durante o trabalho, e o feat. da banda auxilia e muito na ambientação e na aproximação com um lado mais pop, que permeia todas as faixas do trampo. Aqui, Rico resgata diversos elementos conceituais que estiveram presentes nas outras canções e cria uma conclusão poderosa. Tratando de seus assuntos mais pessoais, com um discurso que leva em consideração uma vivência compartilhada e contemporânea. Encerrando a ideia e objetivo que foi estabelecido lá na intro. Um show de melodias, que valoriza sentimento, performance e narrativa.

“Fim das Tentativas” se estabelece não apenas como um dos trabalhos mais sólidos de 2022, mas como uma peça fundamental da ótima discografia de Rico Dalasam. Um EP que consegue deixar seu ouvinte com um sorriso no rosto, pela sua qualidade musical e por seu carinho ao contar histórias tão marcantes e identificáveis.

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