Review: JPEGMAFIA – All My Heroes Are Cornballs

No último dia 13 de setembro o rapper, cantor e produtor JPEGMAFIA lançou seu terceiro álbum oficial, “All My Heroes Are Cornballs”, sucedendo o aclamado “Veteran”, lançado em 2018. Após estrear com Black Ben Carson, um álbum repleto de falhas, mas com diversos flashes de potencial sendo exibidos, com seu segundo projeto, o rapper mostrou uma evolução impressionante, ascendendo a um nível de ícone dos fãs do rap mais experimental, tendo assim, a atenção de todos os olhos da cena voltados a ele, quando anunciou o lançamento do seu terceiro projeto. De forma ainda mais bem feita que o antecessor, “All My Heroes” mostra Peggy disposta a andar na corda bamba entre o que seria criar novos sons extremamente inovadores e o limite da sua audiência, agora expandida também para o ouvinte comum de rap.

 

Resultado de imagem para All My Heroes Are Cornball

 

“All My Heroes” não é um álbum fácil. A um desavisado ou a um ouvinte casual de rap, a primeira audição deste projeto pode ser uma tarefa difícil, pois, ao longo das 18 faixas em 45 minutos, Peggy não se importa nenhum pouco para as formas mais comerciais ou simples de se fazer música (principalmente com o fato do artista não ter editado o álbum, entregando todos os beats em suas versões originais), com diversas faixas em formatos incomuns, faixas divididas em duas seções, raramente passando pelo usual verso-refrão-verso-refrão. Em “Kenan & Kell”, por exemplo, o formato é intro-verso-refrão-pós refrão-intro para a 2ª parte-refrão-outro. Durante todo o álbum, ele varia entre versos pesados e refrões suaves, arriscando até um falsete em “Jesus Forgive Me I’m A Thot”, ou na faixa-título, sendo assim, um álbum difícil de colocar numa caixinha.

No lado da produção o buraco fica ainda mais profundo, com os beats sonoramente difíceis de decifrar pra qualquer um. Dentro de uma faixa o artista – que produziu sozinho todo o álbum, exceto pela primeira metade de “Rap Grow Old & Die X No Child Left Behind” – passa de um beat lo-fi pra algo mais industrial, tendo “PRONE!” onde ele mais uma vez, como fez com “Rock N Roll Is Dead” no Veteran, mostra um dedo do meio para os puristas do rock e emula uma faixa punk sem sequer saber tocar os instrumentos, ou um cover/releitura do clássico hit do TLC “No Scrubs” em “BasicBitchTearGas”, construído simplesmente porque ele queria fazer isso quando era mais novo e encaixar no contexto do álbum. Além disso, Peggy usa todas essas sonoridades, com influências de artistas como Flume, Death Grips ou Madlib de forma brilhante, raramente tendo algo que passe completamente batido, fazendo praticamente todos os beats switches de forma suave e também transições entre as faixas bem trabalhadas.

Se há algo pra falar desse álbum, são as outros das faixas. Claramente inspirado em Madlib, praticamente toda faixa possui um final diferente da música, e uma porção delas poderia ter sido cortada após uma revisão, seja pela outro não ser muito bem desenvolvida, como em “PTSD” ou “Kenan & Kel”, seja por ela mudar abruptamente a sonoridade sem um propósito aparente, como em “Papi I Missed You”

O disco foi promovido pelo rapper com diversos tweets e uma série de vídeos em seu canal no youtube como “decepção”, com participações de Kenny Beats ou Jeff Tweedy. O projeto fala muito sobre esse sentimento, assim conforme o título, como os seres humanos num todo, principalmente na era da internet e pós capitalista, são decepcionantes. Ele passa diversas faixas atacando haters na internet em tom ora ameaçador, ora cômico. Em “Grimy Waifu”, usa a expressão comum a otakus (grupo de pessoas que é bem barulhento na internet) pra tratar sua arma como seu grande amor, enquanto em “Beta Male Strategies”, ataca diretamente esse jovem solitário que usa do anonimato pra atingir os outros. Essa narrativa se alterna com Peggy refletindo sobre seu novo status, onde ele se vê como melhor que seus antigos heróis e agora “rivais” na indústria, mas ao mesmo tempo fica nervoso com o status que tomou (em “Kenan & Kel” ele diz “But like, how can I make a good beat? [For real]/I get nervous when niggas want features [For real]/How I’m gon’ make this work?”). Peggy usa isso em níveis mais pesados e ameaçadores durante o álbum, como a banger “PRONE”, em que fala sobre matar um adversário e o deixar deitado no chão onde estiver, tendo a mais assustadora barra do álbum: “One shot turn Steve Bannon to Stephen Hawking” (padrão Pusha-T de linhas). Aliás, o álbum é escrito com um liricismo quase impecável, com diversos quotables engraçados (“Niggas waiting on Peggy like I’m dropping Yandhi” me fez rir por alguns minutos e depois chorar por horas. Esse álbum nunca vai sair) ou assustadores, sendo a track “PRONE” sucedida por “Life’s Too Hard, Here’s a Sorrel”, claramente um artifício pra dar um descanso ao ouvinte. O rapper usa com maestria o alívio cômico ou sonoro pra diminuir a tensão criada pelas lamentações sobre as falhas dos seres humanos, inclusive aqueles que mais admiramos, e os discursos mais pesados tomados, usando frequentemente batidas ou vocais mais suaves em músicas com temáticas duras.

Com a linha de evolução a cada álbum e tendo logo no seu terceiro uma obra prima, o céu é o limite para JPEGMAFIA. Um artista que produz, canta, rima e tudo com uma qualidade impecável (já tendo uma vantagem sobre artistas como Tyler ou Kanye, que não são grandes cantores) e uma criatividade impar é algo muito raro de se encontrar. Em “All My Heroes Are Cornballs”, todas essas faces do talentoso artista foram expostas em diferentes nuances, formando uma das obras mais inovadoras e ousadas do rap nos últimos anos e, certamente, um dos melhores álbuns desse ano, pra ficar no topo de qualquer lista. Peggy, você conseguiu: estou decepcionado.

Review: JPEGMAFIA – All My Heroes Are Cornballs
Nota do site0 Votes
0
9

A Inverso é um coletivo dedicado a cultura Hip Hop e o seu lugar para ir além do comum.