Review: Migos – Culture III

Após um início que causa fortes impressões, o álbum se torna desinteressante e tedioso, seguindo assim até o fim.

No mundo do trap, em 2017, o artista mais quente do momento atendia pelo nome de Migos. Com hits como ‘Bad and Boujee’ ou ‘T-Shirt’ e feats como ‘Slide’ e ‘I Get The Bag’, era praticamente impossível que uma playlist, uma festa ou qualquer lugar onde tocasse rap em altos volumes não passasse pelos flows de Quavo, Offset e Takeoff. De lá pra cá muita coisa mudou, e em 2021 o trio tenta recapturar essa chama em um momento em que a cena realmente não dá mais a mesma atenção a eles, com o lançamento de Culture III.

O momento anteriormente citado se dá pelos méritos de Culture I, um dos melhores álbuns da história de trap. A energia alta, os beats empolgantes e a sintonia entre os MCs eram imbatíveis, e tudo que eles tocavam naquela era virava ouro. Não foi sem merecimento que o disco foi o primeiro álbum de trap a ser nomeado a um grammy em uma década, mas os passos seguintes do grupo falam mais alto hoje. Seu sucessor, lançado menos de um ano depois, foi uma bagunça lotada de tracks muito menos inspiradas e raramente interessantes. Na sequência disto, o grupo embarcou em um longo período de independência entre seus integrantes, onde cada um lançou seu álbum solo e ainda tivemos trabalhos colaborativos de Quavo com Travis Scott e de Offset com 21 Savage e Metro Boomin. O grande problema foi: nenhum destes seis trabalhos desde o primeiro Culture foi muito bem recebido (talvez o último citado seja uma exceção). Essas seguidas decepções fizeram com que a expectativa por um retorno à forma dos Migos fosse apoiada somente em esperança pura, que não se concretiza neste disco.

Culture III começa nos dando material para discussão, ao menos, com uma trinca inicial interessante. ‘Avalanche’ é uma grande intro, com um beat interessantíssimo de DJ Durel, baseado num sample de The Temptations muito bem utilizado, com boa atmosfera criada por sax e vocais de fundo se unindo aos graves e os três MCs passando o mic um para o outro com muita suavidade. Aqui temos um porém: é a melhor de todo o álbum, logo de cara. Ela é sucedida por ‘Having Our Way’, canção onde Drake dá o primeiro verso e ocupa mais da metade do tempo sem esboçar nenhum tipo de energia em seu delivery, o que só piora ao ser colocado com uma mixagem tão ruim e em um beat tão básico e sem gosto. É curioso ver também Drake se referir a Takeoff como “o terceiro Migo” em uma faixa com ele, mesmo que todos saibamos que é verdade. A terceira track, ‘Straightenin’, é mais um ponto alto no álbum, com um excelente beat, onde cornetas e graves se alternam na frente e Quavo rima em sua melhor forma, dominando o beat.

Após um início que causa fortes impressões, o álbum se torna desinteressante e tedioso, seguindo assim até o fim. Raramente temos ideias criativas, faixas que chamem a atenção ou sequer boas execuções das propostas. Qualquer ouvinte pode encontrar momentos de diversão aqui e ali, mas isso mudará dependendo do ouvinte, de sua vibe ou foco, que é quase impossível de manter por longos períodos; isso se dá pois as tracks em geral são indistinguíveis entre si, seguindo quase sempre a mesma estrutura, mesmo estilo de beat e progressão, tudo sendo extremamente básico.

Trappers num geral entenderam bem, no campo das faixas, que a brevidade é uma benção, por aproveitar a alta energia e um bom flow e acabar antes de expor as limitações técnicas – conceito que não aplicam a seus álbuns, que quase sempre têm 15 ou mais faixas, 50 ou mais minutos. Os Migos, porém, não aplicam essa lição em nenhum dos dois âmbitos. Em 18 das 19 faixas todos eles dão seus versos, fazendo com que metade das faixas tenha mais de 4 minutos, uma eternidade no subgênero, ainda mais quando nenhum dos envolvidos é notavelmente habilidoso, fazendo com que cada faixa que pareça divertida de início se torne tediosa antes do fim. Isso se dá, também, porque toda a química entre os artistas, back-and-forths, um mandando adlibs em cima do outro ou praticamente qualquer colaboração real não seja presente aqui, dando lugar a um sistema onde cada um faz seu verso e os refrães são repartidos entre os três.

O último destaque negativo, aliás, vai para os refrães: são quase sempre pouco trabalhados, pouco interessantes e sub escritos. Essa fração do álbum grita “lei do mínimo esforço”, como na péssima ‘Jane’, onde o que se tem é uma repetição eterna de ‘She want a Birkin, I told her ‘work it”, ou na também decepcionante ‘What You See’, onde Justin Bieber vem e entrega um gancho sem nada de interessante em voz, melodia ou letra. Num geral, estes puxam para baixo faixas que já eram decepcionantes.

Claro, aqui e ali temos alguns pontos altos. ‘Vaccine’ é divertida e até cômica em algumas linhas, e ‘Roadrunner’ é um raro banger, com excelente beat de Zaytoven. Essas faixas poderiam tornar o álbum bom se estivessem em menor companhia, mas estão sempre rodeadas de fillers, como ‘Picasso’, que foi colocada entre as duas supracitadas. Temos também, como último destaque, ‘Light It Up’, onde os MCs tem surpreendentes boas performances ao irem à zona de Pop Smoke para um belo drill. Essa faixa, inclusive, tem toda a cara de encerramento, mas antes disso, como sempre, o ouvinte recebe mais um filler para acabar.

Agora, após este disco, esperar um bom trabalho de Migos é só inocência. O grupo não parece interessado em colocar o esforço necessário para um trabalho bom, e pelo contrário, demonstram querer apenas a rota do que for mais rentável, seja com menor gasto de tempo, seja sugando o máximo que puder do dinheiro de streams. É uma pena que um grupo que pareceu tão promissor um dia se mostre hoje em queda livre, e não há sinais de algum paraquedas.

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