Isaiah Rashad é o rapper que mais bem exemplifica o método Top Dawg Entertainment de trabalhar: álbuns super trabalhados, levando anos para seus lançamentos; criação orgânica de hype com poucos singles; trabalho em silêncio, até que BANG: temos um projeto. Cinco anos após seu álbum de estreia, que já havia saído quase três anos após sua primeira mixtape, este é também só o segundo lançamento da TDE em dois anos, e o primeiro com relevância (desculpa, Reason). Depois de tantos anos e tantas turbulências em sua vida pessoal (Zay chegou a morar em um abrigo), havia um grande leque de coisas a se esperar desse disco e uma enorme sede do público para ouvir seu material. A espera, enfim, acabou.
Os singles prévios apontavam para uma manutenção do estilo do MC e algumas experimentações leves, além de espaço para feats; The House Is Burning, como um todo, segue nessa exata direção. “Confortável” é a palavra que mais bem define este álbum, tanto para o artista quanto para o ouvinte. A audição raramente impõe algo difícil de se digerir, principalmente para uma audiência que não tenha total afinidade com o idioma do MC, sendo sonoridades majoritariamente suaves e calmas. Já pelo lado do artista, em uma nota não tão positiva, é notável um conforto extremo de sua parte, seja para não buscar algo muito inventivo ou desafiador, seja para se permitir ser um fator esquecível em sua própria música. O lado bom é: mesmo quando isso atinge seus ápices, o álbum não entrega material ativamente ruim.
Esse conforto em ser praticamente uma “nota de canto” fica claro quando aparecem os feats. ‘True Story’ tem um ótimo beat, potencializado pelo belo loop de violão, mas só pega fogo depois do verso simples de Zay. O refrão, carregando por Amindi, é extremamente agradável, mas apenas um aperitivo para que depois Jay Rock mande aquele que é, de longe, o melhor verso do disco inteiro; no fim Jay Worthy manda um verso que não surpreende, mas chama mais a atenção que o primeiro. A romântica ‘Score’ tem SZA e 6LACK aparecendo de convidados matando seus versos e o refrão, explorando os vocais com muita segurança em um R&B luxuoso produzido por Kenny Beats. Estando ambos em suas zonas de conforto, quando se chega ao final da canção é difícil se lembrar do primeiro verso, entregue pelo anfitrião. ‘Claymore’ é outra faixa onde o desempenho do dono do disco é esquecível, e o instrumental é todo preparado para Smino roubar a cena, e só não o faz mais por seu verso ser cortado antes do ideal. Uma colaboração mais positiva é ‘Wat U Sed’, onde Isaiah começa com um bom verso e altera seu flow para as barras curtas darem match com o flow e delivery cativantes de Iamdoechii; no entanto, a convidada faz isso melhor e acaba sendo o grande destaque da track.
Estes sons têm valor apesar por serem carregados pelas participações, quando estas não existem, temos alguns momentos em que não há nada além de música de ambiente. Em parte do disco os vocais do MC são gravados de forma quase inexpressiva, sem nenhum esforço para destacar o delivery, fazer diferentes vozes ou ao menos ficar a frente dos instrumentais; ao invés disso, ele coloca sua voz no meio do beat, como se fosse só mais uma parte do mesmo. Isso pode funcionar às vezes, sim, mas é muito pouco para um artista que já deu tantas amostras de talento para fazer mais. Após uma audição sem a maior atenção do mundo, é difícil se lembrar de algo em ‘Hey Mista’ ou ‘Don’t Shoot’, por exemplo, o que até dificulta que a mensagem chame a atenção – na segunda a escrita é muito sensível e importante ao abordar criminalidade e ideação suicida -, mas se perde pela voz branda e dicção que se aproxima do mumble, colocados no meio do baixo e da bateria.
Se no mínimo há uma suave música de fundo, por outro lado, quando Zay se dispõe a ir além, entrega ótimos sons espalhados pelo trabalho. ‘Headshots (4r Da Locals)’ é uma excelente faixa, com o MC estando em sua bag na sonoridade que se destacara em seus projetos passados. Aqui ele se dispões a chamar a atenção, usando sobreposição de vocais, delivery mais expressivo com pausas entre as linhas e repetições para melodizar seus versos, entregando uma das melhores tracks do ano como um todo. ‘9-3 Freestyle’ tem o MC usando vozes de fundo para criar um clima mais quente, mudando seus flows, acelerando e usando triplets ocasionais.
Fechando bem o disco, THIB apresenta o MC criativamente interpolando o clássico ‘Cell Therapy’ para se abrir sobre como seus vícios o derrubaram nos últimos anos, fazendo uso de vocais mais cantados e por ora mais efusivos, destacando um excelente beat de TIGGI, onde o MC deixa transparecer que a casa em chamas, na realidade, era sua mente. Ao menos, na outro ‘HB2U’, vemos um MC comentando seu crescimento e, enfim, fechando o disco em uma maior paz com sua situação. A track fecha bem o álbum, usando a tática da introspecção sobre um beat angelical com sample de soul para dois ótimos versos, apesar da saída longa demais.
Embora a jornada deste artista seja complexa demais, é muito importante ver que ele está bem, saudável e fazendo a música que ama. Apesar disso, o álbum não está à altura de uma espera de cinco anos, sendo inferior a seus antecessores. Por outro lado, é promissor ver que o talento ainda está ali e, mesmo que exploda apenas em determinados momentos, o álbum ainda é bom. Isaiah Rashad tem uma longa carreira pela frente, com muitos bons discos em seu caminho. Só nos resta torcer para que não tenhamos que esperar meia década para ouvir o próximo.
Melhores faixas: Headshots (4r Da Locals), True Story, Wat U Sed, 9-3 Freestyle.