Review: niLL – BLU

niLL apenas continua a comprovar o que já se sabe: talento e originalidade são características inerentes ao artista.

NiLL conquistou seu merecido espaço no feudo do rap nacional graças aos seus universos musicais únicos, onde conceito e originalidade são as leis físicas dominantes. Regina, Lógos, a saga Good Smell, todos trabalhos que partilham de um fio condutor muito bem estabelecido com mitologias que se tornaram, a medida do tempo, cada vez mais complexas. A questão toda é que BLU, pelo menos em um primeiro momento, parece não partilhar tanto dessa mesma proposta conceitual. Talvez aqui, a cor azul e a sua sinestesia com sentimentos mais leves que vão desde a tranquilidade até a tristeza, um misto do que o MC tenta expressar na foto de capa, seja algo que possa agregar todo o material. No entanto, isso nem de perto soa como o universo da loja de brinquedos ou o multiverso feminino afrofuturista.

Embora tenha suas diferenças, Blu ainda se aproxima das irmãs Good Smell, não apenas pela duração reduzida e pelo fato de ser uma mixtape, mas também pelas influências sonoras e estruturais. O House, apresentado em Good Smell Vol. 2, ganha amadurecimento aqui junto ao Boombap, Lo-Fi e Chillhop, sonoridades já mais tradicionais ao MC. Mesmo que traga elementos já conhecidos, niLL ainda demonstra o poder de apurar, desenvolver e criar propostas musicais que elevam uma barra já bem alta de seus trabalhos anteriores.

‘Control’ já era conhecida por todos, uma música esplêndida. Se Kendrick mostrou ao jogo todo o seu poder em uma música de mesmo nome, niLL também deixa claro todo o seu potencial enquanto produtor. Brilhantemente conduzida pelo House, a batida marcante picota o sample com o seu próprio grave, uma combinação tão bem feita que torna impossível cabeças ficarem paradas. Então chega DijahSB, talentosíssima MC canadense, dobrando suas linhas para que durem 2 compassos quase inteiros, a entrega decrescente dá uma noção de queda para suas longas barras e o último tempo é dedicado ao silêncio, o que aumenta ainda mais o groove da track. NiLL rima, é verdade, mas, assim como em Good Smell, onde dá espaço para figuras femininas do rap, seu verso ganha um status mais de feat. No entanto, isso nem de longe impede que se confirme o óbvio, ‘Control’ é um dos melhore singles do ano até agora.

Partindo às novidades, a track que dá nome à mixtape abre o projeto com a única produção não creditada ao alter ego do MC. Magno Brito e El Lif Beatz assinam uma produção que seta o clima do projeto com sintetizadores e uma marcante linha de baixo. A bateria mais chiada é lenta e espaçada com leves subidas mais ariscas da caixa, o que dá variação à track. Do lado do MC, niLL também demonstra evolução ao entregar um bom refrão que se aproveita de uma segunda voz ecoada e um pitch acima do normal para ele, tudo para que se transmita esta estética de distância soturna de uma madrugada, na qual o eu-lírico tenta convencer o seu par a ficar mais um pouco.

Indo nessa mesma direção temática e sonora, ‘Modulation’ também apresenta um forte baixo em um lento beat. A track é abafada e aconchegante e marca um ponto alto da composição do trabalho. Esta se divide em dois versos que representam momentos diferentes, porém sequenciais, de uma relação.  No primeiro, acontecem as incertezas da vida que permeiam o relacionamento e, com suas palavras, o MC busca motivar essa caminhada em conjunto, em uma espécie de último suspiro. Tudo isso é frustrado no curto segundo verso, onde o cenário piora e a música se torna o único registro de algo que costuma existir ali. Apesar dos pontos positivos, ainda é preciso falar que a entrega niLL volta ao seu lugar comum de cadência mais baixa e, com isso, a também já conhecida debilidade métrica do MC dá suas caras. O refrão com sample em repeat também pouco ajuda para quebrar certa monotonia.

‘Telefone’ talvez seja uma ligação desse mesmo casal, a curta música de um minuto e meio possui todo o seu charme ao trazer o sample (não picotado, veja você) de ‘Joy’ do grupo de soul norte-americano Manchild, o que confere certo ar de Griselda à track. Em um tom confessional e de convencimento, niLL se recupera no aspecto métrico e demonstra uma interessante variação ao dar mais entoação a passagens específicas da sua fala para demarcar uma espécie de transição ou finalização de tema, quase como uma segunda voz dentro de sua linha principal:

Talvez o amor pra trás tenha ficado, até aí tudo bem
De galho em galho nossa árvore de pé
Bate o vento, seja como Deus quiser
Vão nos olhar de cima a baixo, eu acho
Porém o nosso espaço sou eu mesmo que faço
E quando eu te ligar
Vamos conversar sobre negócios
Seguir o coração ir sendo próspero

Mas antes que algumas tracks, principalmente do campo amoroso, possam passar essa impressão de personagens fixos e universos, existem sim passagens que caracterizam mais uma mixtape em seu sentido mais tradicional. ‘Hey’ é uma faixa de apenas instrumental disposta na tracklist com um ritmo mais bouncy com fortes referências a algo mais Chicago House. Além dela, uma mixtape não é uma mixtape sem a presença de um beat ou um sample clássico, para isso, ‘Lenda’ faz uma belíssima homenagem a MF DOOM e sua lendária track ‘Pennyroyal’; refletindo toda essa grandeza, niLL ainda larga barras para falar sobre a busca e a conquista do sucesso no Hip Hop, tanto como MC quanto como produtor, algo que ele e Metal Face possuem em comum.

No entanto, a maior surpresa, o ponto mais alto, original e, sim, genial do trabalho ficou reservado para o final. ‘Singular’ faz jus ao nome por ser uma track de fato única, não há maior sensibilidade artística no rap nacional, atualmente, que possa se equiparar a essa produção, sinta-se livre para procurar. Perfeita em todos os seus sentidos, a composição potencializa a subjetividade latente da caneta de niLL, demonstrando uma evolução absurda, passeia por sacrifícios e inseguranças amorosas, tangenciando uma invisibilidade questionada de forma pura e singela. Pureza essa materializada bela belíssima contribuição de Ana Frango Elétrico, em mais uma colaboração extremamente acertada entre o MC e uma voz feminina. A sonoridade também é a melhor de todo o trabalho, saindo mais uma vez do senso comum, o Adotado traz ‘Misguided Ghosts’ de Paramore para o seu caldeirão de House, sintetizadores ao fundo e graves junto às batidas, tudo de forma muito bem encaixada. ‘Singular’ definitivamente fala com a alma e é preciso que se escute com ela também.

Em Blu niLL apenas continua a comprovar o que já se sabe: seja em EPs, álbuns ou mixtapes, utilizando personagens e universos ou apenas valendo-se de um conceito mais abstrato, como uma cor, talento e originalidade são características inerentes ao artista. Sua constante evolução é algo que levanta questões do tipo “o que mais podemos esperar?” e, felizmente, a resposta só surge quando se aperta o play em uma das mais sólidas discografias da atualidade.

Melhores Faixas: Control, Telefonema e Singular

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